segunda-feira, 1 de novembro de 2010

Umbigo


Presente é presente
Bonificação
Gratificação
Abre pra ver
Ver o que é
Esperando o instante de descobrir, enfim.

O passado não é assim
Não há surpresas
E
S
C
O
R
R
E
U
É o que foi
Mas aqui é o que eu quero que seja.

Passado bom se grita em bom tom
E o que não é bom vira pretexto
Pra efabulação e memórias criadas em texto

Escrever
Cutucar
Mexer no passado
Criar histórias melhoradas
E torcer
Pra que depois que os dias passarem
Lembranças
Virem lembrancinhas e brindes
De um presente feliz
E de histórias registradas
Da forma que mais me agrada.

quarta-feira, 6 de outubro de 2010

Ciclo

"Ciclo seco não desaba de repente sobre alguém; chega aos poucos, insidioso, lento. Quando se percebe que se instalou, geralmente é tarde demais." [Caio F.]

... Se jogar de cabeça novamente em tudo que lhe dá medo. Certamente não. E não ia mais se questionar sobre isso. A escolha tinha sido feita. “Ponto Final”. E quanto mais repetia isso pra si mesma, mais Ana se convencia de que resolver embates entre o racional e o emocional não era mesmo o seu ponto forte. Sabia ser uma grande companheira, inclusive pra si mesma - quando a situação não lhe despertava questionamentos intermináveis, claro. O problema é que ainda não conseguia ser responsável pela felicidade de ninguém que não fosse a dela mesma.

Foi com essa certeza em mente que Ana atravessou com seu corpo alto e curvilíneo, quase sem cor, a última semana que se passou. Até que esqueceu completamente disso. Tanto é verdade, que só lhe restou o silêncio. Esqueceu de tal forma, que se viu atravessando a semana que se seguia mergulhada num silêncio, que veio acompanhado de uma cara murcha de alface de final de feira. Nos ambientes que freqüenta, onde discorria em voz alta sobre temas quaisquer, esse súbito silêncio confundiu aqueles que estavam em volta.

Natural, todo mundo tem seus momentos – Repetiam os amigos, entre uma conversa e outra.

E sem questionar, Ana deixava que o tempo seguisse, e a semana passasse. Ela mesma, não tentava entender sua mudez repentina. Isso porque sabia que seus silêncios eram, sempre, conseqüência de um cansaço imenso, ou de uma dúvida profunda. E como não queria pensar em nenhuma das duas coisas, calou, inclusive, o falatório interno.

Foi na noite da ultima segunda-feira, enquanto se distraía amontoando espuma na água da banheira, que ela percebeu que logo esqueceria também o silêncio. Como esquecera os motivos pelo qual tinha entrado nele. Como se levasse, no fim de cada história, o silêncio como um suvenir volátil. Que iria, em algum momento, evaporar. E levar com ele qualquer resquício de história. Entendido isso, Ana compreendeu também como funcionava o ciclo que se repetia sempre que não tinha explicações lógicas para se dar. Silêncio, esquecimento, renovação e força. Passadas essas quatro etapas, o ouvido infantil, de quem pega e larga palavras com facilidade, voltou a funcionar. E Ana começou a achar que se jogar de cabeça novamente em tudo que lhe dá medo, era exatamente o que ela precisava...

terça-feira, 21 de setembro de 2010

"Avante e Rasante"

** Um texto lindo que eu ganhei de um amigo querido. Cheio de entrelinhas e linhas. Tortas ou não, mas transbordando de emoção e significado. Alguns escancarados, outros incompreendidos - até pra mim, confesso. Mas que me encheu de alegria. Acima de qualquer outra coisa.

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As intenções.
Ah! As intenções são sempre as mesmas intenções.
Seguidas de gestos calmos, sorridentes, lúdicos e beberrões.
A certeza do hoje a favor do passado discreto e novo.
Trás um certo conforto matinal.
Os trilhos são para os pássaros.
E teus cantos para tuas crias.

Noite. Longe da noite calada.
A guerra constrange mesmo a noite.
Momento de vida curta, madura e às vezes inútil.
Porém vida. Muita vida. E isso é útil.

Vaguemos então ao oriente do álcool.
A nudez das bocas eufóricas e febris.
Jovens águas da tecnologia atual.
Como não são ásperas tuas escamas.
Que perto de algas são chamas.
Que tampouco azul te leva como uma névoa.
Às vezes parece uma árvore de plumas.
Às vezes parece que me rega.
Parece um abraço meio completamente fora do tédio.
Meio que aquelas plantas preguiçosas que servem para outras plantas.
E ao caminho da luz, lhe dão preguiçosas esperanças.

Sobre os lençóis amontoam-se musicas de Chico e poesias de Vinícius.
Aquela sintonia AM musical e "carnativa" natural.
Onde as vestes são para tuas colméias e desse mel aprecio num sentido só.
E que apenas calado sou capaz de madrugar e indagar uma promessa.
Fatos que se contam em belos livros, porém cheios de tramites.
Capítulos estes. Estes que tens em mãos.
Que forçam em palavras e em apertos de coração.

Vitimados assim pela insônia postural e coletiva.
Damos os olhos e respeitamos a fúria.
Contraímos emoções a sobrarem sorrisos.
Contraindo conversas a restar em fome e sede.

Levantamos as seis, as três, as duas e a uma.
Levantamos como se fossemos a academia.
Chegando em nosso destino.
Ainda não é o final, mas, por favor, senhores passageiros.
Apertem os cintos pois acabamos de aterrissar.
"Um café expresso, por favor, e sem açúcar!"

Por: Vitor Vantil

segunda-feira, 23 de agosto de 2010

Lucidity


Naquela manhã, Ana caminhou em direção ao ponto de ônibus. A claridade incomodando um pouco a cabeça que doía em função de um ou dois drinques da noite anterior. No meio do caminho passou por uma rua onde acontecia a feira de sábado e observou o bairro, que não era o seu, aos poucos se levantar. Resolveu comer alguma coisa por ali, mais na tentativa de se misturar com o resto dos transeuntes e feirantes do que pra matar a fome.
Água de coco e abacaxi.
Apalpou com as mãos meladas o bolso de trás da calça procurando por cigarros. Mas só encontrou o celular e o molho de chaves. E depois do segundo copo de água de coco, resolveu ir pra casa. Andou até o ponto de ônibus, onde teve que esperar por alguns minutos até embarcar. Durante o trajeto o celular tocou duas vezes. As duas eram de casa. Não atendeu.
Sentia muito sono, e ficou desejando chegar logo e se sufocar no edredom. Mas dentro do ônibus, que seguia lento pela Avenida Nossa Senhora da Penha, Ana não conseguia pensar em outra coisa que não fosse ele. Álvaro.
Álvaro e seu olhar quase arrogante. Álvaro e seus textos, seus livros. Seus papos cults sobre cinema, história, música, política e religião, envoltos numa profundidade cínica, escondida atrás de um sorriso blassé de quem não faz o mínimo esforço pra saber sobre aquilo dali. Talvez Álvaro soubesse mesmo era pouco sobre cada coisa. Mas sabia sobre várias. E dizia saber tudo sobre si.
Rosto apoiado nas mãos, os olhos mal conseguiam ficar abertos. Queria chegar logo em casa. Deixou o ônibus e respirou fundo antes de encarar a rua onde morava. Chegou. E ao se deitar não conseguiu dormir. Ligou o som, o DVD, abriu um livro, e quis que tudo ficasse barulhento naquele momento. Sentiu vontade de ligar, mas desligou o celular. E pensou se um dia teria coragem de se jogar de cabeça novamente em tudo que lhe dá medo. Concluiu que não - um momento de lucidez. Em vão.

segunda-feira, 16 de agosto de 2010

Ana e Álvaro. Nem auto-ficção, nem intra-ficção: é intra-fricção!

- Eu adoro você, Ana – Disse Álvaro antes de dormir.

- Adora nada! Você nem me conhece direito. E Ana se virou pra olhá-lo nos olhos. Mas ele já tinha apagado.

Acordada sozinha, Ana tentou desviar o pensamento do que tinha escutado. Já tinham lhe contado histórias sobre ele. E repetiu pra si mesma, mais vezes do que gostaria, que para um homem como Álvaro ela poderia nunca passar de uma bonitinha com quem valha a pena uma trepada. Vencida pelo sono, acabou dormindo também.

***

Tempos depois, Ana estava de volta à casa de Álvaro. Ainda mantinha um pé atrás. Já tinha escutado histórias sobre ele. Mas apesar disso, disso e de ter latas vazias, cigarros e papéis escritos e amassados pela casa, Ana achava a companhia de Álvaro agradável. Algo na personalidade dele prendia sua atenção.

Aos olhos de Ana, Álvaro conseguia se variar entre rude e sensível, claro e escuro, sem perder uma única gota de autenticidade. Deixando-a sempre na dúvida sobre quem de fato ele era. E por sempre se questionar sobre isso, teve curiosidade de saber o que ele pensava sobre ela. O que vez ou outra, nos momentos de sensibilidade, mas sem clareza nenhuma, Álvaro deixava transparecer. Mas ela nunca perguntou.

Naquela noite, tempos depois da conversa constrangedora antes de dormir, Ana parecia nem se lembrar do que tinha acontecido. Andava de calcinha pela sala, à vontade e falando alto - na tentativa de ser ouvida por cima da musica que vinha das caixas de som. Falava sobre besteiras do seu dia a dia. E de como a sua vida às vezes lhe cansava. Ou por excesso de trabalho ou por excesso de diversão.

Achou que Álvaro não tinha prestando atenção em nada além da música no rádio, porque em resposta ao que ela disse, soltou – Você é muito lúcida né, Ana?!

E Ana sentiu o mesmo soco constrangedor na boca do estômago de quando Álvaro lhe disse que a adorava. E sem querer dar continuidade a conversa respondeu:

- Lúcida porcaria nenhuma, Álvaro! Meu racional às vezes é um fiasco, sou cheia de sentimentalismo barato, mulherzinha pra caralho!

Álvaro não achou um discurso muito típico de ‘mulherzinha’, mas preferiu ficar calado. Enquanto Ana mudava de roupa, juntava suas coisas e se despedia. Ela saiu correndo dali, pensando que não voltaria mais. Não se importava com a incerteza sobre quem Álvaro era, mas de uma coisa estava certa. Não queria competir com uma versão melhorada de si mesma, criada na cabeça de um cara. Até porque, ela já tinha escutado histórias sobre ele. E essa desculpa lhe bastava.

domingo, 15 de agosto de 2010

"Porque não implica em decisões, apenas em paciência."

"E substituimos expressões fatais como 'não resistirei' por outras mais mansas, como 'sei que vai passar'." [Caio F.]


Paciência pra continuar.
Continuar
Ir
Sem parar
Nem pra olhar pra trás
Sobreviver
Ver
Que o que te resta é suficiente
Se te resta paciência
Paciência de sobrevivente
Que continua
e espera passar
Ao invés de deixar
O desespero
matar.

sábado, 7 de agosto de 2010

Substituições

Sexta-feira à noite e eu estava em casa. 11 da noite, cama. Sábado de manhã eu teria que trabalhar. Na verdade, treinar um professor novo que estava entrando no lugar de um antigo. Quando me avisaram que tinham mudado o professor, a primeira coisa que pensei foi:

- Sério que o professor gato saiu?! - Tenho certeza que todas as alunas dele iriam pensar a mesma coisa quando descobrissem.

Fiquei um pouco decepcionada. Mas minha decepção, segundos depois, foi substituída por uma preocupação misturada com uma dose extra de intimidação. O professor que estava chegando tinha 14 anos de experiência em sala de aula!

- E eu teria que treiná-lo? - Mas um cara que tem 14 anos de experiência deve ser, no mínimo, velho (ora,bolas!).

Era torcer então para que fosse um coroa sedutor com pinta de Richard Gere. Tá, com pinta de Zé Mayer, porque também não da pra botar o professor antigo no patamar do Richard Gere (e quem dá?!). Só assim, as alunas, não notariam a troca de professores. E eu me preocupo muito com o andamento dos estudos dos meus alunos. Então achei que seria justo que no currículo do professor novo tivesse um item a mais a ser considerado: “modelo e manequim”.

Sábado de manhã. Um frio seco de congelar os dedos dos pés. E eu acordei antes do despertador tocar. Escolhi uma roupa que me deixasse com a aparência mais velha e profissional. E pensei em como eu ia fazer pra lidar com aquela coisa de não poder contrariar os “velhos sábios”.

- Ai de quem ousar saber mais do que eles!! - É chumbo grosso...

Chegando na escola, vi que ele estava de costas enchendo um copo dágua no bebedouro.

- Baixo e muito branco - Foi a primeira coisa que pensei.

Olhando mais um pouco percebi que ele estava usando roupa social e que a blusa verde pastel que estava usando começava a exibir umas manchas em um tom de verde escuro denunciando a sudorese escondida por trás delas.

- Ew ew ewwww!

Não sei como estava a minha cara na hora que ele virou. Mas se eu tinha conseguido manter discreto o que eu estava pensando. O esforço com certeza foi em vão. Porque depois que ele virou, percebi exatamente a cara de desespero que eu tinha feito. Foi involuntário (juro!).

Desviei o foco quando os alunos começaram a chegar. Em sala, expliquei o passo- a- passo do método pro novo professor como se ele fosse um iniciante cabeça de vento. Isso porque eu estava tão nervosa tentando desviar os olhos das marcas de suor na camisa dele que fui falando mecanicamente o que aprendi sobre o método. Mas foi ai também que comecei a relaxar – em relação à quantidade de experiência dele, não da camisa suada. Apesar de eu estar o tratando como um acéfalo, ele estava prestando atenção em tudo que eu estava falando. E de forma humilde seguiu os meus passos no decorrer da aula. Me senti bem. Inteligente. E competente.

- Pô, são 14 anos de experiência em escola de inglês! - E sabe-se lá quantos anos de experiência em ausência de beleza...

Mas acabei me conformando com a troca e prestando atenção na forma dele trabalhar. Não tinha como negar que era de fato um professor competente. E até carismático, da forma dele, claro, meio esquisito, mas era. O que o ajudou, mesmo depois de escutar algumas reclamações, a conquistar a ala feminina da turma.

Voltei pra casa, dando risada sozinha dentro do carro por conta da situação, mas satisfeita. No final das contas, se soubermos crescer e aprender com a vida e com as pessoas que passam por ela, todo o resto se tornará fútil e não precisaremos de mais nada.

- Mas vai, trabalhar com um sósia do Richard Gere não atrapalharia em nada, né?!

terça-feira, 3 de agosto de 2010

Intra-ficção: Histórias escritas pra dentro mas que por ventura escapolem

"Minha saúde não é de ferro não, mas meus nervos são de aço. Pra pedir silêncio eu berro. Pra fazer barulho eu mesma faço" [Jardins da Babilônia - Rita Lee]

Eu não valia nada quando era criança.

Pra começo de conversa não gostava que me chamassem de criança, tinha que ser adolescente. O que no fundo não mudava nada, mas eu gostava assim. Tinha 16 anos. Criança. Naquela época eu queria ser jornalista, queria estudar teatro, ser gostosa, e já tinha escolhido o nome do filho que eu iria ter, junto com o cara que eu também já tinha escolhido. E eu teria dois cachorros e uma casa de praia na Bahia. Hoje, lamento dizer para aquela que fui aos 16, que não quero mais filhos e ainda não sou gostosa, mas continuo querendo a casa na praia da Bahia. Eu tinha certeza absoluta do filho, da profissão, do hobby e do cara - que quando eu decidi que não queria mais, me cobrou o futuro que eu havia prometido. Acontece que o tempo passa e nosso paladar vai se refinando e as coisas mudam de sabor. Não sou jornalista, não saco nada de teatro e não tenho espaço pra ter dois cachorros.

Ainda não valho nada - gostaria de dizer. E isso talvez nunca mude.

Mas, inevitavelmente, o paladar fica mais refinado, a tinta começa a secar enquanto você escreve, e de repente você deixa de amar sem que o amor (não) acabe. Desconstruí meus planos. Refinei-me. Virei professora (sem saber muito bem o porquê), tenho um bulldog carente que ronca toda noite no meu ouvido, e passei a procurar um amor que em um domingo ordinário me traga um sanduíche e leia o jornal enquanto eu escrevo. Não são esses os meninos que a gente pensa quando se tem 16 anos. Esses de agora são melhores - embora não importa o quanto nos digam isso. Amaldiçoar, então, tudo que já passou, cada situação que tirou de mim uma palavra ou um texto, não vai mudar muita coisa. Maldito seja! bendito seja! Que seja! não importa! Desde que seja sempre assim, uma eterna mudança de mim.
Mesmo que eu continue não valendo absolutamente nada!

quarta-feira, 21 de julho de 2010

Delírio


Uma súbita calma. Daquela que faz amolecer o pescoço até que a cabeça caia. O silêncio completo do apartamento vazio acaricia o peito. Alivia. E o universo ao redor, tão vago, lhe parece não ser nada. Não tem fome, não tem pressa, não tem raiva, não tem tempo.

Em meio ao nada, o peito acariciado o aliviava. E aos poucos em anjo se transformava. As asas em suas costas já podiam ser vistas de longe. Como pesam! Não se parecem com qualquer asa que já se tenha visto. São de má qualidade, deformadas. Asas deformadas e gigantes de um anjo vulgar. Que lhe dói a ossatura de tanto que pesa.
De tanto que pesa o par de asas do anjo.
De tanto que pesam as asas de pedra.

De tanto que pesam as asas de pedra do anjo.

quinta-feira, 8 de julho de 2010

Tem sido bom, gostaria de dizer.

Do alto do 12º andar, na sala estrategicamente decorada em tons de marrom, silêncio. Quebrado apenas pelo farfalhar da cauda do cachorro, que espreguiça toda sua carência e apóia a cabeça no meu pé. A “folha” em branco na tela do computador já me desafiou mais do que nunca. Mas talvez agora que todos foram dormir e os amigos desistiram de chacoalhar a minha tela pedindo atenção, talvez agora, que o silêncio da sala e o cachorro carente são os únicos a me fazer companhia, eu consiga acalmar a percussão acelerada que existe dentro de mim, abafar esse eterno samba enredo que não se cala, e escrever um conto qualquer.

Acontece que tem momentos que escrever se torna confessional. E têm aquelas palavras que eu sempre juro nunca soltar assim como qualquer coisa. Mas que estão estampadas na minha cara. Não vê? Deixo na cara, nas minhas coisas, deixo meu cheiro, meu sorriso, meu jeito desajeitado, meus gestos e minhas guimbas de cigarro. Deixo tudo isso, e acaba parecendo que fiz questão de largar a vergonha escondida no armário. Mas eu juro que não foi proposital. E não foi. Proposital mesmo é o tempo que estou deixando ela por lá. Porque com a vergonha na cara fica difícil lidar com essa falta de controle que resolveu me tomar. Dá um pouco de medo. Não por me faltar controle. Mas por tê-lo perdido. Se é que um dia eu tive algum controle sobre isso. Acho mesmo que não. Afinal, eu não cheguei penteada, bonitinha, muito menos quieta. Não cruzei as pernas,não pensei no que falar, não alisei o cabelo e minha completa falta de jeito com tudo e meu cair pela rua sujando os joelhos estavam longe de serem charmosos.

Mas quer saber?! Nunca dei muita importância pra essas coisas. Mesmo que me falassem pra usar mais o racional. Racional porra nenhuma. Racional demais é pra quem tem espaço oco por dentro. E dentro de mim, eu guardo uma enorme percussão desenfreada, tocando um samba eterno, um barulho profundo, que não se cala. Que não me cala. Um samba enredo completamente irracional que te diz venha e eu te prometo amor eterno por toda essa noite, além de pés quentes e um chá pra melhorar a tosse. Venha, descasque seu rosário e questione minha moral, mas depois se afunda nesse edredom comigo pra que ninguém mais veja que no fundo você bem que me adora e que eu sou louca. Pra que ninguém mais veja que você bem que me adora (porque) eu sou louca. Um samba enredo irracional. Que de tão louco até falha na malícia. Mas e daí?! Viver é duro, mas no fundo, é uma delícia.

terça-feira, 6 de julho de 2010

O que escrevo

Não é tristeza querido, e talvez nem felicidade.
É todo e qualquer sentimento que me transborde em arte
Sacramentado em letras catadas como se fossem pedras
E em palavras lançadas como quem atira copos
Por entre as dobras que mapeiam nossos corpos
Porque enquanto vivo, eu penso
Mas quando escrevo, apenas sinto
Me sinto transbordar em pistas
Em linhas
Em farelos de João e Maria
Deixo que a vida vá além dos meus braços
Além dos fatos de fato e daqueles criados
Como auto-ficção
Não é tristeza querido, nem angústia ou alegria
É a força criativa que me traça, me compõe
E que eu não posso mudar
Assim, quem quiser que a compre
Ou esqueça meu nome
E se vá

Psychologist

Hoje você me doeu.
Cheguei e fui direto me sentar. O dia havia nascido cinza e agora, já pelas metades, começava a exibir um alaranjado degradé.
Sentada na minha frente, imponente, ela me olha com esse ar de quem me conhece por inteiro. Acende um cigarro pra soprar o tédio proposital pela janela e exibe uma cara de quem me espera desfiar rosários.
Sabe das minhas crises, da fobia pela qual eu esperneio, dos valores que não abro mão e do meu choramingar colo como menina mimada.
Ela me disseca, sentada do lado de lá da sala. Enquanto eu observo seu cabelo mal cuidado refletindo no laranja do sol. Me reescreve por partes, me documenta feridas e mexe onde eu não quero que doa.
Eu reclamo e ela diz que é preciso pra tratar o medo. Desisto. E reprimo em silêncio meu próprio pavor.Pensando que seria muito mais facil ter medo de escuro ou de baratas.
Malditos pássaros que não sabem voar!
Por conta deles, ela me aponta a vida crua, tão sobriamente real, tão cheia de casos e pessoas esquecidas atrás de lugares em mim que não deixo ninguém ver, e que ás vezes, nem eu vejo.
Só que hoje ela não vai saber de nada. Porque hoje você me doeu. E essa confusão é só minha. Você é (um problema) só meu.

sábado, 5 de junho de 2010

Nude


Nunca fui de básico. Isso porque não sei me manter só no necessário. Sempre funcionei nos amigos que gritam, nas pessoas que gesticulam, nos filmes que me fazem chorar e nas músicas que me dispertam memórias. Talvez exatamente por isso, torci tanto o nariz quando, em 2009, começou a aparecer no vestuário feminino, junto com as cores neon, uma forte tendência NUDE. Por causa da minha pele clara, ainda evito o exagero do nude em roupas. Mas to começando a achar que é uma grande besteira. Falta de costume.

Era assim também com a maquiagem. Mas o nude, que a primeira vista, me fez estranhar por sua palidez e a falsa sensação de falta de saúde, acabou sendo uma arma eficaz para mascarar as pequenas imperfeições que eu tanto tentava esconder na hora de fazer o make up. Sem tirar o aspecto "belezanatural", no melhor estilo tela em branco, a cor garante o ar clássico-romântico , além de ter facilitado bastante a minha vida, que com 15 minutos e um bom corretivo passei a conseguir produzir um make atual, feminino, clean e bastante natural. Quer aspecto mais saudável do que parecer natural?!
E por demorar um pouquinho para ceder aos encantos das cores pastéis, acabei levando algum tempo pra descobrir o esmalte que estou usando essa semana, e que foi a inspiração para escrever este post. Já deve estar batido entre a mulherada. Mas achei que, talvez, ele ainda pudesse estar camuflado pela febre dos esmaltes coloridos. O nome, adivinha?! NUDE hahahaha da Colorama. É um rosa fosco, apesar de o esmalte ter algum brilho. A cor é super cremosa e foge completamente da idéia de que esmalte em tons pálidos são sem graça e entediantes.

Na foto, a cor ficou mais pink do que de fato é, mas da pra ter uma idéia da belezinha que ela é! E do tamanho do bife que minha manicure tirou.. rsrsrsrs

Fica a dica então! Nude - Colorama!

“Madame Bovary c´est moi”, dizia Flaubert.

Um começo de manhã ainda sem sol. Os meus livros desarrumados pelo quarto e os lençóis da cama ainda fora do lugar. Alguma coisa ali não estava combinando bem. Os livros eram meus, os lençóis desarrumados também. Mas aquela bagunça toda estava me incomodando. Como se fosse reflexo de algo que eu não conhecia. Até porque, não combinava com a disciplina organizada em que eu venho tentando manter a minha vida. Prendi os cabelos, dobrei as mangas da camisa e resolvi colocar ordem no lugar. O resultado foi um armário limpo, a cama bem feita, as prateleiras com livros organizados e um blogger repaginado.

Sim sim, aproveitei pra fazer algumas mudanças no blog. Depois de deixá-lo 2 semanas fora do ar, e de sair daqui correndo com medo e achando que nunca mais iria conseguir escrever outra vez. Voltei com uma proposta nova e mais colorida. Isto porque alguns amigos sempre apostavam que estavam lendo textos autobiográficos por aqui, e em resposta eu dizia que minha vida não era tão interessante assim. Preferia chamar de autoficção. Ou em outras palavras, falsa verdade de mim mesma.

A nossa memória é um arquivo repleto de ficção, armazenamos coisas da forma que queremos. Fantasiamos nossas experiências, com direito a trilha sonora e tudo mais. E o que soa como confissão pessoal é na verdade uma grande efabulação de memórias e sentimentos. Quando não uma livre criação de uma realidade alternativa. O que talvez venha a ser mais um desabafo do que um texto.

“Madame Bovary c´est moi”, dizia Flaubert. Ou Lobato quando assumiu que a boneca Emília era um retrato dele mesmo. E as questões dos bloggers, dos diarios virtuais - que só diferem daqueles diários que carregávamos em baixo do braço porque à publicação vem somada a vaidade - é que as memórias expostas são transformadas em literatura, sem permitir que o leitor consiga identificar quando está lendo algo real. Estou nas minhas personagens. Fato. Nas masculinas inclusive. Mas a verdade mesmo, é que elas nem se quer existem. Por isso o blog virava um drama, como numa peça de teatro ou num conto sem pretensão. O que escrevia era reflexo daquilo que gosto de ler. Reflexo das cambalhotas que Fernando Pessoa, Caio Fernando e mais alguns outros dão dentro da minha cabeça. E do meu estômago. Escrever pra poder sentir. Sentir nas entranhas.

Hoje, vendo por outro lado - depois de ter o quarto arrumado - comecei a achar que já estava na hora do eu-lírico voltar a trabalhar. Reconheço minhas limitações. Escrevo só porque gosto. E isso dista muito da perfeição literária. Ok, posso não levar tanto jeito assim pra coisa, mas preciso escrever. Escrever sempre. Como uma atividade compulsiva. Só que, felizmente, sem estragos desta vez...

"These words I write keep me from total madness"
[Charles Bukowski]

terça-feira, 18 de maio de 2010

Um conto [podre] sem pretensão...

- Droga! Acabou a água! Falou Álvaro puto, quando acordou mais cedo que o esperado, por conta de uma ressaca, e descobriu que tinha acabado a água do chuveiro.

Já fazia alguns dias que o ar condicionado estava quebrado, e pra piorar aquela sensação infernal, a água do prédio tinha secado sem nenhum aviso prévio. Provavelmente algum tipo de limpeza que estava sendo feita nas caixas e a síndica, mais uma vez, esquecera-se de avisá-lo sobre o evento.

Álvaro era sempre o único condômino a não ser informado dessas coisas.

Isso porque ele não fazia questão de manter nenhum tipo de vínculo social com seus vizinhos. Acha a síndica uma velha de bosta, e o resto da vizinhança um punhado de desocupados. Assume o canalha que é em troca da liberdade de não precisar perder tempo e paciência com conversas vazias pelos corredores.

- Merda de apartamento quente! Bufou.

Da janela via-se que fazia dia de sol, o corpo de Álvaro estava suado e o chuveiro ainda sem nenhuma gota d’água. Descalço, sentiu o chão gelado. Suas têmporas ferviam e o estômago já estava gritando de fome. Na geladeira, apenas uma garrafa de Coca-cola e uma de Sakê. Serviu-se com uma dose da bebida oriental e deixou que seu corpo relaxasse enquanto se sentava. Em cima da mesa um bilhete lembrando-o de responder a mensagem que Ana tinha deixado na secretária eletrônica na noite passada.

“A vizinha me ligou dizendo que não escuta barulho no seu apartamento há dois dias. Porra Álvaro! Levanta dessa cama, cura essa ressaca e dê algum sinal de vida.”

Gostava de Ana, não por causa de seu corpo suculento ou seus longos cabelos castanhos, mas porque Ana era um clichê interessante de se ver. Tinha cinco tatuagens, fumava cigarro de filtro vermelho e tinha um piercing no nariz. Gostava de escrever, mas era péssima nisso. Até usava bem as palavras, desde que não as colocasse no papel.

Na última noite em que se viram, depois que Álvaro já tinha enchido a cara, Ana pediu a ele um palpite sobre um texto que escreveu.

- Achei péssimo, respondeu sem olhar pra ela. Não sei por que insiste em publicar essas merdas que você escreve!

- Já imaginava que um porco como você, Álvaro, não conseguiria entender a minha forma de escrever. Disse levantando inconformada da cama. E como que tentando o provocar, desfilou até o banheiro, exibindo a silhueta embaixo da camisa branca de botão dele que ela usava pra dormir.

- Traje muito sensual para exibir prum porco como eu, retrucou virando-se na cama. Acabou cochilando e quando acordou encontrou um bilhete em cima do travesseiro. “A garrafa de Sakê que está na geladeira é um presente que comprei pro aniversário de uma amiga. Não encoste seus dedos nela.”

- Se não é pra eu encostar meus dedos, por que largou essa porra na minha geladeira? E de raiva mamou a garrafa reclamando que poderia pelo menos ser uma de uísque.

Ana nunca mais perguntou do Sakê, na verdade, não se falaram depois disso. Mas Álvaro comprou uma garrafa nova pra repor a que ele tinha bebido. E sempre que ficava sem dinheiro para “abastecer o tanque”, só sobrava a tal garrafa para lhe entorpecer. Já haviam sido compradas 7 para substituir a que Ana tinha deixado por lá. E serão 8, assim que terminar a que está bebendo agora, enquanto fita o rótulo japonês da garrafa que repousa em cima da mesa, perto do bilhete lembrando-o de Ana.

- Sakê, uma clássica preferência feminina, que clichê... Pensou. Mais um pra coleção de clichês de Ana. Clichês que foram usados tantas vezes que até já caíram em desuso. E por isso parecem, agora, serem de posse exclusiva dela.

Ana chegava e invadia aquele espaço, aquele apartamento que era dele, aquela bolha que era dele. Fazia perguntas sobre as quais ele mentia a resposta sem nem saber direito o porquê. O sexo não era extraordinário, mas ela era uma ótima parceira de fodas e de porres. Ele mentia sobre isso também. Aprendeu que certas respostas poderiam influenciar no resultado das noites que passava com ela.

Às vezes tinha vontade de se livrar de Ana. Mas sempre perdia a hora certa de manda-la embora dali.

- Alô.. hum.. Ana?! To precisando de espaço na geladeira, vem buscar a garrafa de sakê que ta aqui, senão vou ter que me desfazer dela. Mentiu

- Olha quem ressuscitou! Tudo bem Álvaro, passo aí as 21:00h.

- Ana, desculpa o que falei sobre seu texto naquele outro dia. Mentiu mais um pouco, tentando garantir sua bonificação. Eu já estava bêbado demais pra raciocinar...

- Tudo bem, já esqueci! Te vejo as 21:00. E desligou.

Álvaro desligou em seguida, pensando que já que tinha que ficar suado, melhor que fosse com Ana de volta em sua cama. Suada de foder sem ar condicionado.

sexta-feira, 14 de maio de 2010

Cala a boca e me deixa!

Cala boca e me deixa quieta! Me larga com meu mau humor, com essa gripe fodida e com os prazos que tenho que cumprir. Me deixa! Que eu fico aqui reclamando com os deuses e resmungando por eles terem amaldiçoado o tempo. Me deixa quieta! Que eu fico aqui suspirando. Porque falar alto tem doído meu peito e cansado meu corpo. Cala boca! Pra ver se assim eu calo também. E escondo sob as minhas dobras todas as minhas linhas tortas. Cala a boca e me deixe! Me deixe deitar do seu lado. Bota a mão por trás do meu pescoço, aperta meu braço e puxa meu cabelo. Me deixe! Me deixe roxos, pra que eu esqueça o peso do meu corpo doente e lembre do peso das suas mãos. Assim, quando a gripe e o cansaço transbordarem, escorrerem de dentro de mim, eu possa rever essas marcas e me lembrar que você esteve por aqui. E que a vida só não é melhor por culpa exclusiva minha, que às vezes piro sem motivo.
Me deixa...

segunda-feira, 3 de maio de 2010

Levitação

Marcava 2 da tarde quando acordei naquele domingo de céu azul e vento frio. Na cozinha, o cheiro de café denunciando que o resto da casa já estava de pé. E lá embaixo a cidade que não da trégua. Um cenário comum e rotineiro. A tirar o céu azul e o vento frio, todo o resto era uma repetição fiel de grande parte dos domingos que já haviam se passado. O quarto estava mergulhado em uma sombra fraca fornecida pelas cortinas de linho, que permitiam que jatos de luz penetrassem pelas laterais e iluminassem exatamente o lugar do meu travesseiro. Me custou ainda alguns minutos até que conseguisse recolher um pouco de coragem e levantar. Vencida pela claridade, já de pé, joguei a falta de jeito no chão, alonguei de leve algumas partes do meu corpo e aproveitei pra chegar o rosto na janela. Atrás do blecaute da cortina - que já não tinha mais utilidade alguma – fazia uma tarde linda. Linda e fria.

Depois de cobrir os pés com um par de meias, tentei me imaginar aquecida. Recriei na memória as imagens da noite anterior e a felicidade espontânea e sadia trazida pelas risadas com as amigas. Uma delas é amiga recente, a outra dos tempos de criança. Dos tempos em que brincávamos de pique e assistíamos filmes de terror com a boca cheia de pipoca e com as pernas enroladas no edredom, pra afastar o frio e o medo. Época boa! – pensei. Mas a passagem dos anos também tem suas vantagens. Alguns ficam mais belos, outros mais sábios. Uns amadurecem, outros parecem ficar mais jovens com a idade que chega. E aos poucos todos nós formamos família, não só de sangue. Mas de pessoas que nos querem bem, que nos acompanham e que são memórias vivas da nossa história.

No meu caso, pessoas que vasculham minha vida, meus livros, minhas músicas, minhas comunidades do Orkut e dizem que não tem nada de bom por lá. E não há, mas eu gosto. E se eu gosto elas aceitam. “Deve prestar”. Pessoas com lembranças em comum para piadas que ninguém mais entende e que apesar de serem as que mais apontam, são também as que mais toleram meu jeito estabanado de criança que cresceu muito rápido e não coube mais no próprio corpo.

A tarde de domingo estava linda de enjoar atrás do blecaute da cortina. Dentro de casa, o vento frio cheirava a café fresco. Recolhi minha falta de jeito jogada no chão, consertei a postura e fui pra cozinha encontrar a família. Pensando que tanta felicidade assim realmente não cabe dentro de mim. E que só preciso disso. Disso e de um carinho na nuca.
E ai, talvez, eu saia levitando.
Pelo céu azul
Levada pelo vento frio
De uma tarde de domingo.


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Para todas as amigas que fazem da minha vida algo mais leve.

domingo, 28 de março de 2010

(des) organização


Sem televisão no quarto e com todos os meus livros lidos e relidos, os dias parecem começar e terminar sempre com uma dose extra de tédio. E tédio é uma coisa engraçada, que nos deixa sem vontade de fazer absolutamente nada, mas que também não deixa a gente quieto. Talvez seja ssa a maior prova da nossa necessidade de um pequeno caos constante. Da minha, pelo menos. Afinal as coisas estão tranqüilas, aconchegantes, monótonas e corriqueiras. Só que esse punhado de horas mansas tem me parecido algo doce, mas um tanto enjoativo. Confesso, de forma egoísta, que parece me faltar alguma coisa mesmo estando tudo bem. Talvez seja a existência, ainda que tímida, de algum caos interno que me impulsione a “por a pena na mão” e escrever todas as reminiscências que me vierem à mente. Não acho bonito, nem certo admitir essa irrefreável tendência ao caos. Mas tudo cansa. E começo a perceber que é preciso, antes de ser feliz, ter capacidade pra ser feliz. Entender que podemos ser felizes sem precisar expor os dentes, que até as pessoas mais felizes carregam tristezas no bolso e que talvez felicidade plena seja um caso mental patológico e completamente avesso a realidade em que o resto do mundo vive. Então, se está tudo bem, eu sorrio. Mas - repito - me falta alguma coisa, porque está tudo bem e eu só rio.

sábado, 13 de março de 2010

By heart

Pele clara, cabelos negros...
Pele clara, cabelos negros, olhos castanhos, boca vermelha...
Pele clara, cabelos negros, olhos castanhos, boca vermelha, voz quente...
Ela olha. Ele está distraído e não repara. Mas na ânsia de decorá-lo, ela olha. Observa cada detalhe. E tenta sabê-lo de cor: Pele clara, cabelos negros, olhos castanhos, boca vermelha, voz quente... E um jeito de andar peculiar. Os olhos até parecem falar, mostrar o que tem dentro! Acontece que ele a protege de suas manhãs, de suas manhas, de sua arte, de sua vida. Mantém as coisas assim, sempre na beira, na superfície, só até onde os olhos alcançam. O que tem dentro, parece não ser pro seu bico. Por isso todas as vezes que o vê, ela se espanta. Nunca o reconhece por completo. E mesmo assim ele lhe parece sempre melhor do que na ultima vez que o viu. Se não lhe é permitido entender, decora-o então.
Pele clara, cabelos negros, olhos castanhos, boca vermelha, voz quente...

segunda-feira, 8 de março de 2010

A máquina

A gente acha que o futuro é muito longe daqui e esquece que hoje é futuro de ontem e passado de amanhã. E que não importa o que era, mas sim o que se tornou. Se o que se tornou não lhe agrada, mude. Só demorará uma única noite pra que tudo esteja diferente. Afinal, amanhã é o futuro de hoje. E também passado de depois de amanhã. Se mudar hoje o que não gosta e chegar amanhã ainda sem gostar, mude outra vez que o depois de amanhã certamente lhe servirá...

sexta-feira, 5 de março de 2010

Geometria

O problema entre duas paralelas é que elas só se encontram no infinito...

sexta-feira, 26 de fevereiro de 2010

Terceira lei de Newton:


Se te quero... Foges.
Se te ignoro... Vens.

terça-feira, 23 de fevereiro de 2010

Aniversário!

"Você já reparou que ninguém deseja calma a ninguém, na época de desejar coisas? Deseja-se prosperidade, paz, amor, isso e aquilo ('tudo de bom pra você'), mas todos se esquecem de desejar calma para saborear esse tudo de bom, se por milagre ele acontecer, e principalmente o nada de bom, que às vezes acontece em lugar dele." [Carlos Drumond de Andrade - Os Dias Lindos, p.120]

21 anos...E eu enchi páginas em branco com minhas letras gordas, minhas linhas tortas, minhas frases soltas e ainda fiz questão de colocar minhas memórias em negrito. Escrevi dezenas de primeiros capítulos e não terminei nada de concreto. Mas continuei a escrever. Porque sempre funcionei em textos, mesmo quando me calei, quando perdi as palavras ou quando elas se perderam. Se é que palavras se perdem. Acho mesmo é que se vão por livre e espontânea vontade.

21 anos...
E eu quis todas as coisas. E esperneei por cada uma delas. Quis estojos abarrotados de canetas coloridas, que o Peter Pan fosse de verdade, que as coisas boas durassem pra sempre e que os amores fossem iguais aos do cinema. Mas só fui mesmo saber do amor quando ele já dividia comigo minha cama. Logo em seguida descobri uma saudade absurda e quando não agüentei mais, quis liberdade do apego, das expectativas e das ilusões. E fiquei assim até o coração sentir tanta falta que deixou transparecer, no espaço entre as frases feitas das noites de festas, que tudo que ele queria era colo outra vez.

21 anos...
E a idade nova trás a ânsia das coisas que ainda não vivi. E também a nostalgia das coisas que já fiz. Viajei, conheci gente nova, andei em baixo de chuva, tomei sorvete direto do pote, dancei como louca, cantei pra espantar demônios, passei no vestibular, larguei o Direito, virei professora e sonhei acordada. Fiz também muita coisa errada. Não soube esperar, perdi a cabeça, chorei fora de hora, falei mais do que devia, esqueci a lógica, ignorei meus sentidos, não vi os sinais de aviso, caí, sangrei e morri por amor. Mas fui lá e fiz! E é isso que importa.

21 anos...E eu não gosto que estranhos me toquem, mas gosto de abraçar os amigos, ganhar beijo nos olhos e andar de mãos dadas. Perdi o medo do escuro, mas o silencio ainda me assusta. Não tenho prática em decifrá-lo e é duro não sentir certeza - por mais que eu goste dos benefícios da dúvida. Desisti de acertar, de provar que estou certa, de me justificar - para mim mesma ou para os outros, e até de ter medo. Mas parei de escrever um livro pelo meio quando achei que pudesse ser processada por alguém próximo.

21 anos...
E olho pra trás e não me vejo, olho pra frente e ainda não cheguei lá. Sinto medo e esperança ao mesmo tempo. As contas começam a entrar por debaixo da minha porta e meus valores e meu caráter a serem cotidianamente julgados - afinal, não existe mais a desculpa da inocência. Mas ainda me é permitido sonhar. Então, mesmo em meio a tudo isso, eu tento. Tento abrir mão do apego à dependência e aprender a ficar mais sozinha. Tento ser melhor, mais justa e mais feliz. Se ainda não consegui, continuo tentando. Um dia eu acerto.

21 anos...
E tudo isso me faz sentir que estou começando a adquirir uma vantagem injusta sobre a menina que eu era.

sábado, 20 de fevereiro de 2010

Presente de aniversário!

Ontem fui na casa dos meus avós comemorar com eles o meu aniversário que está próximo. Minha avó, agitada e ansiosa, me deu seu presente logo quando cheguei. Já meu avô, velhinho e extremamente calmo, não me deu nada. Ao invés disso, sentou do meu lado e começou a conversar. Pensei em como meus avós são pessoas diferentes e perguntei a ele como eles conseguiam manter um casamento há tantos anos. Me olhou meio de lado, sem entender direito o motivo da pergunta, e contou que certa vez foi ao supermercado e viu um pêssego “vistoso”, grande e que aparentava extremamente suculento. Por ser sua fruta preferida, ficou ansioso pra comê-la. Procurou na pilha outro tão bonito quanto aquele e não encontrou. Comprou então o pêssego suculento e um outro que além de menor, não tinha o mesmo aspecto do primeiro. Em casa, lavou a fruta e quando já estava com a faca na mão, desistiu. Trocou pelo pêssego menor, deixando o outro na geladeira para minha avó, mesmo sabendo que ela nem ligava tanto assim pra pêssegos.

Terminada a história, vovô se levantou – com a cara sorridente - e saiu. E me deixou ali, sozinha, pensando mais naquela cara sorridente do que nos pêssegos em si. Isso porque aquele sorriso me fez resgatar lembranças da época em que eu morava com ele. Era o mesmo sorriso que estampava seu rosto quando eu e minha irmã éramos crianças e adorávamos ouvi-lo contar a história do “Joãozinho canelinha de ferro” – que ele mesmo havia inventado. Ele era mais forte naquele tempo, fazia exercícios, e sempre nos levava junto quando ia caminhar na praia. Durante o percurso o repertório era o mesmo, a gente pedindo e ele contando a história do menininho que tinha canelas de ferro. E no final a gente sempre ganhava um dinheirinho para o picolé.

Alguns minutos depois vovô voltou. Me viu deitada no sofá, assistindo TV e ele, magrinho, achou um lugar para se sentar ao meu lado. Olhou para mim com a mesma cara sorridente: “Me faz um favor?” - falou, pegando alguma coisa no bolso. “Faço vô, pode falar”. Respondi já imaginando ter que ir à padaria comprar um refrigerante ou coisa parecida. “Toma o dinheirinho do picolé e compra um presente pra eu te dar de aniversário?”. Disse com a cara mais marota que se pode esperar de um senhor de quase 80 anos.

O dinheirinho do picolé se transformou numa blusa linda que fiz questão de mostrar para ele: - Aqui, vô, o presente que o senhor me deu!.

- Ihh! Boniiita!

Meu avô é mesmo uma gracinha... ^^

* Réplica das assinutaras do meu avô e da minha avó.

sexta-feira, 12 de fevereiro de 2010

"Na realidade, não seria isso o Éden, meu caro senhor: a vida bem engrenada?" [Camus]

Felicidade que transborda e me escorre pelos poros. Imensa mas mansa. Tão calma que me apresenta uma espécie de paz desconhecida. Paz suprema. Somada com a certeza de que tudo ta bem. O emprego vai bem, as férias prolongadas da faculdade vão bem, a cabeça e o coração também. Nada de brigas, nem mesmo com a balança - o que já garante uma satisfação bastante rara. No fundo no fundo, não é tão difícil assim esquecer a ansiedade e fazer as pazes com o que é calmo. Talvez um dia eu aprenda a viver sempre assim. Em harmonia com o mundo e com o meu mundo. Como quem encontra o ritmo certo para a batida do coração e controla o fluxo do ar que entra e que sai. Talvez, um dia, eu aprenda. E descubra o silencio como forma plena de comunicação. E comece a aceitar apenas a parte que me cabe. Por enquanto me transbordo de felicidade. Imensa, mansa e que me escorre pelos poros.

"Gozava minha própria natureza e todos nós sabemos que é aí que reside a felicidade, embora para nos tranquilizarmos mutuamente, demonstremos, por vezes, condenar estes prazeres sob o nome de egoísmo." [Albert Camus - A Queda, p.17]

sábado, 6 de fevereiro de 2010

2 alegrias: uma quando conhece outra quando se afasta.

Até o caminho de casa, o telefone tocou três vezes. Não atendi. Tomada por um sentimento de tristeza e confusão, entrei em casa e joguei o celular no fundo do armário da sala na tentativa de afastar da cabeça os pensamentos que aqueles telefonemas me traziam. Eu sabia que já não havia mais jeito. Sabia que não deveria seguir com uma amizade que me sugasse tanta energia. E sabia exatamente onde doía por não poder mais arrumar desculpas que encobrissem essa certeza. Eu havia arrumado formas para camuflar situações incomodas vinte, trinta, quarenta vezes. E um dia, subitamente, deixei de acreditar que valia a pena. A verdade estava clara demais para que eu a negasse. Não conseguia ver mais nada naquela pessoa além de uma insegurança desmedida que se transformava sempre em tentativas desesperadas de que o meio ao seu redor notasse a sua existência, mesmo que fosse vista negativamente ou que isso trouxesse imensa dor ao seu ego. E foi exatamente em função disso que nossas conversas se tornaram cada vez menos freqüentes. As palavras já estavam gastas. E certas coisas não mereciam mais ser ditas porque jamais seriam entendidas.
Sei que fará falta os dias em que a conversa fluía desgovernada, os segredos eram contados sem medo e os mais íntimos pensamentos postos a nu. Mas os exageros, o fascínio pela vida alheia e a busca constante por defeitos em todos que me cercam, invadiram meu espaço e não cabem mais em mim. Isso sem mencionar sua vontade cansativa de reviver a todo custo um passado do qual não se conforma ter sido excluída. E de lá do fundo do armário o telefone continuava a tocar, causando em mim uma aflição desconfortavel. Olhei desamparada para o sábado acontecendo por trás das janelas entreabertas e pensei que aquela compulsão lançava-a perigosamente próxima da zona que alguns convencionaram chamar de loucura. Por fim, desliguei o telefone. Já era hora de aceitar a verdade, enfrentar o desapego e ter de volta o meu espaço e o ar que respiro. Não me importa mais se ela perdeu a noção dos danos causados à própria vida e à de quem está por perto, nem sua imensa falta de respeito por si própria e nem a pitada extra de maldade ao falar da vida dos outros. Pode até fazer birra e dizer que não sinto sua falta. Mas eu sinto. Sinto muito... Sinto-me estupidamente aliviada!

quarta-feira, 27 de janeiro de 2010

Vício por vício, eu larguei o cigarro.

Volto depois de uma semana fora sem saber como ela está. Com que cara, que cheiro, que clima, que humor ou se sentiu minha falta.

Volto e ganho de presente meia hora de passeio turístico, enquanto esperava autorização para pousar.

O sol se pondo sobre mim. E ela lá embaixo exibindo suas ruas, sua gente, sua orla e um jeitinho manso de cidade em férias.

Me lembrei de quantas vezes pensei em deixá-la. E me questionei porque eu ainda não fiz.

Por causa do vício imaturo por dependência, eu acho.

Ir já valeria só por poder me fazer sentir o prazer de voltar. De me sentir em casa. De me sentir.

E, lá em cima - tomada por uma ansiedade infantil de quem quer deitar na própria cama e sentir seu próprio cheiro impregnado pelos cantos do quarto - me emocionei por estar de volta. Depois de uma semana fora. Com outra cara, outro cheiro, outro clima, outro humor. E com a certeza de que senti mais a falta dela do que ela a minha...


sexta-feira, 15 de janeiro de 2010

Pasárgada...

Ganhei um bilhete de primeira classe pra Pasárgada. E estou indo pra lá. Onde se tem de tudo e a existência é uma aventura.
Trabalhar um pouco e descansar um pouco também. Rever grandes amizades - que sobrevivem à distância. Ser amiga do rei e deitar na cama que eu escolher.
Vou me embora pra Pasárgada. Que aqui não sou feliz. De lá vou embalar meu passado e mandar num sedex pra Terra do Nunca. Ter um pouco de férias da cidade natal. E depois voltar pra Vitória com a cara boba de tranqüilidade pós-caos.

sexta-feira, 8 de janeiro de 2010

Querido Freud,

"Who can say if I've been changed for the better?
I do believe I have been changed for the better.
Because I knew you:
I have been changed for good!"
[For Good - Wicked The Musical]
Ando freqüentando minhas sessões de terapia com a religiosidade de uma carola. Sempre rebatendo um pouco minha terapeuta e tentando provar coisas improváveis. Sabe, eu sou cabeça dura, mas a 'bichinha' é esperta e sempre consegue virar o jogo. Mais ainda, ela vira o jogo no minuto final, com a pontualidade de quem ta acostumada a fazer bagunça com a cabeça dos outros. E te faz voltar pra casa com o cérebro formigando. Hoje, depois de uma hora inteirinha sentada na minha frente me ouvindo contar histórias vividas milhões de anos luz atrás - todas com tom de romance de Best-seller - me perguntou: Por que as coisas do seu passado nunca estão no passado? Qualquer pessoa menos complicada do que eu, ou mais manipulável talvez (vai saber?!), entendesse aquilo como “Passado é uma coisa, presente é outra e futuro ainda outra”. Mas eu te disse, sou cabeça dura. E quando cheguei em casa fui direto abrir a caixa de Pandora guardada no fundo do meu armário. Meu arquivo de memórias. Minha coleção de papel. Espalhei tudo pelo chão e fui garimpando, procurando aquelas cartas já conhecidas e algumas letras familiares. Entre elas uma porção imensa de cartas que eu mesma escrevi e nunca mandei. Li essas também, pra poder ver sobre o que se tratavam e julgar se fiz certo ou não em guardar aquelas palavras só pra mim – não lembro de nenhuma que não tenha me deixado aliviada por não ter sido enviada. Conheço todos aqueles papéis e fiz questão de separar os que machucam mais e ter certeza de deixá-los dentro da caixa. Perdi horas ali, sentada no chão do meu quarto, misturada a álbuns do “Amar é...”, bilhetes que ganhei de pessoas que eu nem sei mais onde estão, cartinhas assinadas com os mais variados apelidos (que eu não faço idéia de quem são), juras de amor, promessas de amizades eternas e até um bilhete do meu pai dizendo que tinha ido viajar, mas tinha deixado carne no congelador. Revê-los é como rever a mim mesma - ainda que com algum mau humor pelas ingenuidades cometidas. Acontece, que não me basta olhar a obra final sem pesquisar o processo de criação. Gosto de olhar pra trás. Ver todo o processo. Lembrar do que passou até chegar aqui. Se é assim, condene também quem viveu seus 20 e poucos anos na década de 60 e ainda se emociona ouvindo os Beatles cantando “All you need is love”. Talvez a nostalgia seja o único sentimento que nos faça ter menos culpa pelos nossos excessos, ainda que sejam clichês patéticos. Confesso que depois sempre fica uma saudade enorme, uma vontade de ter dito, feito, ouvido, sentido um pouco mais. Mas o que seria de nós sem uma dose extra de saudosismo? Então julgo ter o pleno direito de revisar as minhas marcas inúmeras vezes se assim desejar. "A troubled cure for a troubled mind". Ver as coisas que eu podia ter feito e não fiz me lembra que ainda tenho um bom tempo pela frente pra poder enfim fazê-las. E acaba que no fim, eu abençôo as memórias, fecho a caixa, agradeço por estar viva e ser exatamente como sou. Marco um chope ás 23h com as amigas e aceito as ironias da vida sem querer saber das cicatrizes do passado. Deixo, então, a resposta do por que do meu passado nunca estar no passado, por sua conta. Afinal, são quase 23h e eu tenho compromisso marcado...

quinta-feira, 7 de janeiro de 2010

Quando ELE conta um conto...


“Ana era excessivamente branca. Aliás excessivamente tudo. Falava demais. Ria demais. Era nova demais. Bebia demais. Fumava demais. E me queria demais. E nessa noite me abraçava e mordia minha orelha. Seu jeito de falar obscenidades no meu ouvido era estranhamente carinhoso. Como quem pedia amor pra saciar um vicio. Saciar a vontade de ser amada. E fazia sentido. Porque eu sabia que queria me dar. Mesmo que fosse amor e carinho.

Quando saí de cima dela, meio sem jeito e meio cansado, deitei e dei de cara com meu reflexo no teto. Me senti intimidado com o que via. Meu corpo nu, revelando pêlos, linhas e curvas - cada traço do meu corpo. Ainda bem que Ana estava ao lado. Tão nua e com seus traços tão à mostra quanto os meus. Suas enormes coxas brancas atraíam meu olhar e me faziam esquecer o reflexo da minha carne exposta no teto. Não era estéticamente perfeita, era excessivamente branca. Mas era charmosa e tinha uma tatuagem.Tatuada por fora e por dentro também, tenho certeza! Enfim, não era magrela mas era gostosa, nos lugares certos.

Alguma coisa naquela mulher me intrigava. Talvez fosse o resquício de uma meninice exposta e imatura que ainda lhe restava que me fazia querer vê-la por dentro - ainda mais do que eu tinha visto nesta noite. Ou talvez fosse pura vaidade egoísta de vê-la me olhando com cara de besta e sorrindo pra mim como se eu fosse o poeta maldito do século, enquanto eu juntava meia dúzia de palavras bonitinhas e contava sobre minha vida e meus graus acadêmicos.

Virou-se, apoiou a cabeça em meu ombro e passou a mão sobre meu peito em mais um gesto de carinho entre os tantos que sofri naquela noite. Falou de como “é completamente mapeada por cheiros” e em resposta àquela conversa senti o cheiro de motel misturado ao cheiro de sexo. Dois odores inconfundíveis. Que misturados ao cheiro dela, ao meu cheiro nela,a todas aquelas palavras e todo reflexo no espelho, me fez querer "vê-la por dentro" mais uma vez. Não podia negar que ela era bela. E com os cabelos amassados, os peitos contra o colchão e de costas pra mim era ainda mais bela.

Desta vez, saí de cima dela realmente cansado. Um ato indesejado, sem dúvida, mas precisava tomar um banho e ir. Ana, numa reprodução hollywoodiana, acendeu um cigarro. Consome cigarros como consome clichês e pessoas. Só mais uma em minha cama e só mais uma na multidão de fumantes pós sexo. E eu as consumo. Elas e as palavras. E pra tê-las em minha cama, falo de amor. Um amor vivido por elas. Com elas, aliás. Pelos bares e seus apartamentos de estudantes de 20 e poucos anos que moram sozinhas por causa da faculdade, têm seus livros espalhados pelo quarto e fumam depois do sexo.

Dois banhos depois. Um dela e um meu. Me vesti, paguei a conta e como já não me restava mais nada a fazer, acendi também um cigarro. Mesmo sabendo que venho tentando evitá-los. Ela falava, fumava e me olhava. E eu pensando como seria bom um pouco de silêncio enquanto eu fumava meu único cigarro da noite. Deve ter lido meu pensamento porque se calou na mesma hora. E consumiu seu cigarro me consumindo com olhar. E eu o meu apenas como cigarro que era...”

domingo, 3 de janeiro de 2010

"Eu só queria dizer"

Tinha esquecido como era acordar cedo. Sendo bom ou não, às 6 da manhã é o unico horario do dia que consigo ouvir os passarinhos da janela...

sexta-feira, 1 de janeiro de 2010

2010 então...

Passamos o reveillon querendo milhões de coisas mas o ano seguinte sempre chega sem muitas mudanças. E quando acordamos, toda vontade de mudar o mundo já acabou. É 1º de janeiro e quero mesmo andar sem rumo, cega, chorando angustia, colecionando sorrisos e conhecendo novos lugares. Preciso rir mais e esquecer um pouco os problemas. Pra poder deixar de ouvir o eco das palavras vazias. E deixar de seguir um padrão político e social que não combina nada comigo.Por enquanto, tento não me sufocar com a vida que levo. Mas talvez, um dia, eu bata minha cabeça inúmeras vezes na parede, até trocar a cegueira por aprendizado. Nada de utopias. Simplesmente não me encaixo ao lugar a que pertenço, não combino com nada, nem ninguém por aqui. Só que eu aprendi cedo a gritar, a defender minhas verdades e a olhar além, sempre além. Acontece, que no meio de tantas meias palavras e tantas besteiras ditas com exacerbada importância, quem acaba se calando sou eu. Me calo e me recolho à solidão do meu quarto e dos meus livros. E a solidão - que costumo detestar tanto quanto a quietude - passa a ser maravilhosa, essencial, rara e me faz recuperar a força! Sonhar em encontrar uma forma de libertar de mim os bons costumes e o grito preso na garganta. E manter ao lado aqueles que aceitam meu falatório compulsivo, meus bicos, minhas péssimas piadas, minhas sobrancelhas franzidas por pouca coisa (por quase nada), minha gargalhada absurdamente alta e minha confusão desajeitada.
Por isso escrevo. Escrevo e consigo traduzir a parte de mim que fica escondida. Traduzo a parte que sou quando as coisas não vão bem, a parte que fala alto, gesticula e que pensa que não há nada mais aprisionador do que uma junção de crenças inúteis e falsos valores morais.