quinta-feira, 7 de janeiro de 2010

Quando ELE conta um conto...


“Ana era excessivamente branca. Aliás excessivamente tudo. Falava demais. Ria demais. Era nova demais. Bebia demais. Fumava demais. E me queria demais. E nessa noite me abraçava e mordia minha orelha. Seu jeito de falar obscenidades no meu ouvido era estranhamente carinhoso. Como quem pedia amor pra saciar um vicio. Saciar a vontade de ser amada. E fazia sentido. Porque eu sabia que queria me dar. Mesmo que fosse amor e carinho.

Quando saí de cima dela, meio sem jeito e meio cansado, deitei e dei de cara com meu reflexo no teto. Me senti intimidado com o que via. Meu corpo nu, revelando pêlos, linhas e curvas - cada traço do meu corpo. Ainda bem que Ana estava ao lado. Tão nua e com seus traços tão à mostra quanto os meus. Suas enormes coxas brancas atraíam meu olhar e me faziam esquecer o reflexo da minha carne exposta no teto. Não era estéticamente perfeita, era excessivamente branca. Mas era charmosa e tinha uma tatuagem.Tatuada por fora e por dentro também, tenho certeza! Enfim, não era magrela mas era gostosa, nos lugares certos.

Alguma coisa naquela mulher me intrigava. Talvez fosse o resquício de uma meninice exposta e imatura que ainda lhe restava que me fazia querer vê-la por dentro - ainda mais do que eu tinha visto nesta noite. Ou talvez fosse pura vaidade egoísta de vê-la me olhando com cara de besta e sorrindo pra mim como se eu fosse o poeta maldito do século, enquanto eu juntava meia dúzia de palavras bonitinhas e contava sobre minha vida e meus graus acadêmicos.

Virou-se, apoiou a cabeça em meu ombro e passou a mão sobre meu peito em mais um gesto de carinho entre os tantos que sofri naquela noite. Falou de como “é completamente mapeada por cheiros” e em resposta àquela conversa senti o cheiro de motel misturado ao cheiro de sexo. Dois odores inconfundíveis. Que misturados ao cheiro dela, ao meu cheiro nela,a todas aquelas palavras e todo reflexo no espelho, me fez querer "vê-la por dentro" mais uma vez. Não podia negar que ela era bela. E com os cabelos amassados, os peitos contra o colchão e de costas pra mim era ainda mais bela.

Desta vez, saí de cima dela realmente cansado. Um ato indesejado, sem dúvida, mas precisava tomar um banho e ir. Ana, numa reprodução hollywoodiana, acendeu um cigarro. Consome cigarros como consome clichês e pessoas. Só mais uma em minha cama e só mais uma na multidão de fumantes pós sexo. E eu as consumo. Elas e as palavras. E pra tê-las em minha cama, falo de amor. Um amor vivido por elas. Com elas, aliás. Pelos bares e seus apartamentos de estudantes de 20 e poucos anos que moram sozinhas por causa da faculdade, têm seus livros espalhados pelo quarto e fumam depois do sexo.

Dois banhos depois. Um dela e um meu. Me vesti, paguei a conta e como já não me restava mais nada a fazer, acendi também um cigarro. Mesmo sabendo que venho tentando evitá-los. Ela falava, fumava e me olhava. E eu pensando como seria bom um pouco de silêncio enquanto eu fumava meu único cigarro da noite. Deve ter lido meu pensamento porque se calou na mesma hora. E consumiu seu cigarro me consumindo com olhar. E eu o meu apenas como cigarro que era...”

6 comentários:

Isabela Moreira disse...

Só uma coisa?

Eu enxerguei exatamente cada cena, como se assistisse a um filme. Cada cena sendo rodada na minha frente e como se eu pudesse pausar, ampliar a imagem, voltar e repetir as cenas...
Mais uma coisa?
Eu consegui enxergar os atores com perfeição!

Excessivamente branca.
Resquício de uma meninice exposta e imatura que ainda lhe restava.
Era charmosa e tinha uma tatuagem.
Falava demais. Ria demais. Era nova demais. Bebia demais. Fumava demais. E me queria demais.

O que nessa sua vida não é em demasia?

Amo e sinto saudades!

Beeeijo grande...

Ps.: Era puro vício.

Lilla Mattos disse...

Rsrsrsrs... Eu até tento... brinco com a ficção, crio personagens. Anti-heróis, mocinhas, bandidos, mocinhos e bandidas... não importa. no final tudo sai um pouco (ou muito) parecido comigo!! O que também é um vicio complicado de largar...

Obrigada pelo comentario amiga, gostei bastante!!!

Beijos
;**

Anônimo disse...

hahahahaha!
Eis a melhor caracteristica do seu blog! É impossivel não se questionar até onde vão suas verdades e em que ponto elas se misturam com sua habilidade tão particular de mistura-las à ficção!! Imagino que deva ser ainda mais dificil pra quem te conhce pessoalmente!! pros que só te veem atraves de letras - como eu - só consegue ter certeza de que além de uma escritora incrivel, seu coração consegue sentir e perceber emoções que as pessoas 'normais' nem ao menos sabem que existe. Parabéns!!

Deh disse...

Um texto no minimo corajoso, e muito bem esecutado.

fiquei meio sem palavras.

bom, bom demais.

abçs

Lilla Mattos disse...

Não foi preciso coragem... e sim um pouco de Gabriel garcia marquez... hahahahahahaha... Estava lendo "memorias de minhas putas tristes" e quis escrever algo um pouquinho mais "dirty".. hehehehehehehe... verdade... ficção... tudo misturado... como em todos os outros textos... Mas este aqui foi especialmente libertador!!!! hahahahahahahahaha
que bom que gostaram!

Beijo grande
;***

Flávio Borgneth disse...

Vida é pernas mesmo, cabelo. Crueldades nuas e mortes de cigarro. Perfumarias.

Bonitos os teus móveis. Volto!