quarta-feira, 23 de setembro de 2009

Vitrines


Confesso não ter me animado muito pra levantar da cama quando abri um único olho, poupando o outro da claridade, e vi que a meteorologia não estava querendo cooperar comigo e tinha mandado mais um dia nublado e quente – daqueles que faz chover a noite. Mas maior do que a vontade de ficar deitada era o calor que estava fazendo. Eu suava tanto que voltar a dormir seria uma tarefa impossível. O cabelo colado na nuca suada, a boca com gosto de travesseiro e a franja em pé, arrepiada como a de um pica-pau. Ao lado da cama, o cinzeiro vazio. Essa nova onda antitabagismo tem me motivado a largar o cigarro. Levantei. E quase uma hora e meia se passaram quando eu, finalmente, terminei a maratona acordar - tomar banho - por uma roupa - tomar um cappuccino – sair de casa – me arrastar até o ponto de ônibus.

Foi difícil, mas pra dar uma ajuda o ônibus passou no segundo seguinte que cheguei no ponto. Entrei agradecendo a alguma força divina pela sorte, e fui me sentar no canto da janela desses bancos mais altos que tem em ônibus. Me distraí olhando as pessoas que passavam pela rua – como quem olha vitrines sem olhar vitrines - e acompanhei o trajeto já conhecido. Só voltei a prestar atenção ao que acontecia no interior do ônibus quando uma pessoa sentou do meu lado. Um rapaz estranhamente belo, ou, belamente estranho. Não soube dizer qual era a ordem correta. Só sei que alguma coisa nele me atraiu a ponto de me deixar desconcertada, sem saber onde pôr as mãos ou para onde olhar.

Ele usava uma camiseta com o escrito: “Engenharia Civil”, um all star branco tão surrado quanto o meu, um boné escondendo o cabelo bagunçado, mochila nas costas e um maço de cigarros na mão. Deve ter uma namorada fofa e peituda que estuda odonto. O suficiente para se tornar o mais novo homem da minha vida. Olhei pra mim mesma condenando meu desleixo matinal e preferi virar o rosto e continuar olhando as pessoas do lado de fora. Olhando vitrines sem olhar vitrines. De repente me vi de mãos dadas a ele. E imaginei como a vida seria. A gente combinaria e formaria um casal feliz e minhas roupas teriam uma gaveta só pra elas no armário dele e ele perderia horas conversando sobre engenharia com meu avô enquanto eu ensinaria a irmã caçula dele a falar inglês. E ele daria risada da minha falação desesperada e a cama ficaria mais quente e ele roubaria meu edredom e eu o acordaria de noite reclamando da insônia ou dos chutes noturnos dele e pediria que perdesse o sono junto comigo. E ele deu o sinal, levantou e saltou do ônibus, enquanto eu permanecia ali tensa, invisível e apaixonada. Ele se foi e nem notou que acabava ali a nossa linda história de amor.

Depois de quase perder o ponto em que eu deveria descer, cheguei na faculdade pedindo colo pras amiga e dizendo que estava me recuperando de um relacionamento intenso. Desisti da idéia de assistir a primeira aula. Sentei na cantina e fiquei ali, parada, me recuperando. Foi quando me deparei com um sujeito de jeans, camisa xadrez amarrotada (aposto que ele tinha acabado de acordar) e havaianas nos pés. E comecei a olhar pro nada, com olhar de quem vê vitrines sem ver vitrines...

quarta-feira, 16 de setembro de 2009

Morto-vivo, Vivo-morto.

4:41 a.m

Insônia

(ponto final)

sábado, 12 de setembro de 2009

Semelhança.

"Alice - Mas eu não quero me encontrar com gente louca.
Gato - Você não pode evitar isso, todos nós aqui somos loucos, eu sou louco, você é louca.
Alice - Como sabe que eu sou louca?
Gato - Deve ser, ou não teria vindo parar aqui."
[Lewis Carroll - Alice no país das maravilhas]

* Grandes personagens têm diálogos fantásticos. Pessoas reais têm Diálogos Imagináveis. Fica a dica de blog ;)

terça-feira, 1 de setembro de 2009

E meu lençol não tinha mais seu cheiro mas meu armário ainda tinha suas roupas...

Despertara? Não sabia ainda. Sentia muito frio, isso sim. Pisquei o olho e encarei por alguns minutos o teto do meu quarto. Estava realmente frio e só por isso resolvi levantar. Meio cambaleando caminhei até o armário e sem prestar muita atenção, puxei uma blusa de manga qualquer de dentro da gaveta. E foi só depois de vesti-la que percebi que não era uma blusa minha. Era blusa de homem. Dei de ombros. Talvez fosse uma das inúmeras peças de roupa do meu pai que veio na mala quando vim morar com minha mãe. Enquanto eu me esticava espreguiçando, vi pela janela que fazia manhã de sol apesar do vento frio. Graças a Deus não vai chover.

Foi quando eu já estava na cozinha preparando uma xícara de café, que minha mãe entrou e perguntou que roupa era aquela que eu estava usando. Ela já estava acostumada a me ver andando pela casa de cueca e samba-canção, ou qualquer outra peça de roupa dos meus ex-meninos (e isso inclui meu pai), mas mesmo assim sempre perguntava por que eu insisto em usá-las e em guardá-las como bibelôs do meu passado. Enquanto me fazia essas perguntas, veio em minha mente o nome do dono da, agora minha, blusa. Fiquei atordoada com a repentina lembrança, mas disfarcei. Respondi que pra mim eram pedaços de pano e mais nada. E que essa história de “bibelôs” não tinha o menor fundamento. MENTIRA. De fato algumas dessas peças são, realmente, só pedaços de pano confortáveis e bons para usar dentro de casa. Mas aquela camisa em especial tinha tempo que eu não via. Ficou guardada no fundo da gaveta tão esquecida quanto o verdadeiro dono dela.

Sem que minha mãe visse, cheirei a manga pra ver se encontrava, impregnado nela, o cheiro de algum perfume. Tinha cheiro de roupa guardada. E nada mais. Claro que depois de tantos anos - quase 4 anos pra ser mais especifica - esquecida no fundo do meu armário, ela só poderia estar cheirando a velho. E foi ali, na cozinha da minha casa, vestida com a camisa com cheiro de velho, que eu parei por alguns segundos pra contemplar o passado. Lembrei do namoro que, enquanto durou, cumpriu seu papel. E isso, agora, já não tinha mais a menor importância. Pensei na minha devoção e no amor imaturo e desmedido. E senti saudades. Não só dele, mas de quem eu era naquela época. E pensei no que aquela menina diria se me visse hoje. De certo me olharia bem no fundo dos olhos e diria, com a voz mais imponente que conseguisse produzir, que de nada adianta a vida se não amarmos ninguém, menos ainda se não amarmos para sempre. E eu a pegaria pelas mãos e – mesmo sabendo que ela não entenderia, optaria em alertá-la. Responderia que de nada adianta a vida se não soubermos seguir em frente, ainda que com o coração partido.

Minha mãe continuava na cozinha, agora falando sobre uma dieta nova que estava pensando em fazer. Balancei a cabeça e sorri, deixando-a que achasse que era um sorriso em resposta àquela conversa – que na verdade eu não tinha prestado muita atenção. Mas eu sabia que eu tinha sorrido um sorriso diferente. Não desses que se da a alguém, e sim desses que se dá pra você mesmo. Sorri pra dentro. E me senti feliz. Demorei tanto pra expurgar de dentro de mim esse passado, e agora o próprio passado ressurge vários anos luz depois, pra me mostrar que entre trancos e barrancos ele valeu a pena. Acordei sentindo frio. E puxei uma blusa de manga qualquer de dentro da gaveta. Uma blusa com cheiro de velho que ressurgiu não só pra me fazer sorrir pra dentro. Mas também pra me mostrar, em alguns segundos em que parei pra contemplar o passado, que o melhor da vida é o tempo!