quarta-feira, 6 de outubro de 2010

Ciclo

"Ciclo seco não desaba de repente sobre alguém; chega aos poucos, insidioso, lento. Quando se percebe que se instalou, geralmente é tarde demais." [Caio F.]

... Se jogar de cabeça novamente em tudo que lhe dá medo. Certamente não. E não ia mais se questionar sobre isso. A escolha tinha sido feita. “Ponto Final”. E quanto mais repetia isso pra si mesma, mais Ana se convencia de que resolver embates entre o racional e o emocional não era mesmo o seu ponto forte. Sabia ser uma grande companheira, inclusive pra si mesma - quando a situação não lhe despertava questionamentos intermináveis, claro. O problema é que ainda não conseguia ser responsável pela felicidade de ninguém que não fosse a dela mesma.

Foi com essa certeza em mente que Ana atravessou com seu corpo alto e curvilíneo, quase sem cor, a última semana que se passou. Até que esqueceu completamente disso. Tanto é verdade, que só lhe restou o silêncio. Esqueceu de tal forma, que se viu atravessando a semana que se seguia mergulhada num silêncio, que veio acompanhado de uma cara murcha de alface de final de feira. Nos ambientes que freqüenta, onde discorria em voz alta sobre temas quaisquer, esse súbito silêncio confundiu aqueles que estavam em volta.

Natural, todo mundo tem seus momentos – Repetiam os amigos, entre uma conversa e outra.

E sem questionar, Ana deixava que o tempo seguisse, e a semana passasse. Ela mesma, não tentava entender sua mudez repentina. Isso porque sabia que seus silêncios eram, sempre, conseqüência de um cansaço imenso, ou de uma dúvida profunda. E como não queria pensar em nenhuma das duas coisas, calou, inclusive, o falatório interno.

Foi na noite da ultima segunda-feira, enquanto se distraía amontoando espuma na água da banheira, que ela percebeu que logo esqueceria também o silêncio. Como esquecera os motivos pelo qual tinha entrado nele. Como se levasse, no fim de cada história, o silêncio como um suvenir volátil. Que iria, em algum momento, evaporar. E levar com ele qualquer resquício de história. Entendido isso, Ana compreendeu também como funcionava o ciclo que se repetia sempre que não tinha explicações lógicas para se dar. Silêncio, esquecimento, renovação e força. Passadas essas quatro etapas, o ouvido infantil, de quem pega e larga palavras com facilidade, voltou a funcionar. E Ana começou a achar que se jogar de cabeça novamente em tudo que lhe dá medo, era exatamente o que ela precisava...