segunda-feira, 23 de agosto de 2010

Lucidity


Naquela manhã, Ana caminhou em direção ao ponto de ônibus. A claridade incomodando um pouco a cabeça que doía em função de um ou dois drinques da noite anterior. No meio do caminho passou por uma rua onde acontecia a feira de sábado e observou o bairro, que não era o seu, aos poucos se levantar. Resolveu comer alguma coisa por ali, mais na tentativa de se misturar com o resto dos transeuntes e feirantes do que pra matar a fome.
Água de coco e abacaxi.
Apalpou com as mãos meladas o bolso de trás da calça procurando por cigarros. Mas só encontrou o celular e o molho de chaves. E depois do segundo copo de água de coco, resolveu ir pra casa. Andou até o ponto de ônibus, onde teve que esperar por alguns minutos até embarcar. Durante o trajeto o celular tocou duas vezes. As duas eram de casa. Não atendeu.
Sentia muito sono, e ficou desejando chegar logo e se sufocar no edredom. Mas dentro do ônibus, que seguia lento pela Avenida Nossa Senhora da Penha, Ana não conseguia pensar em outra coisa que não fosse ele. Álvaro.
Álvaro e seu olhar quase arrogante. Álvaro e seus textos, seus livros. Seus papos cults sobre cinema, história, música, política e religião, envoltos numa profundidade cínica, escondida atrás de um sorriso blassé de quem não faz o mínimo esforço pra saber sobre aquilo dali. Talvez Álvaro soubesse mesmo era pouco sobre cada coisa. Mas sabia sobre várias. E dizia saber tudo sobre si.
Rosto apoiado nas mãos, os olhos mal conseguiam ficar abertos. Queria chegar logo em casa. Deixou o ônibus e respirou fundo antes de encarar a rua onde morava. Chegou. E ao se deitar não conseguiu dormir. Ligou o som, o DVD, abriu um livro, e quis que tudo ficasse barulhento naquele momento. Sentiu vontade de ligar, mas desligou o celular. E pensou se um dia teria coragem de se jogar de cabeça novamente em tudo que lhe dá medo. Concluiu que não - um momento de lucidez. Em vão.

Nenhum comentário: