terça-feira, 1 de dezembro de 2009

Leite com achocolatado.


Acordou com o corpo suado, levantou cambaleando, foi até o banheiro, lavou o rosto e depois chegou até a janela pra conferir como estavam as coisas la fora num dia quente de sol senegalês. “O mundo ta pegando fogo” – pensou ele. O celular estava estático em cima da mesa. Ele sabia que ela não tinha ligado, mas ainda assim preferiu conferir e ver se não tinha nenhuma ligação perdida. Nada. Claro, ela não é desse tipo de mulher, que liga pra pedir palavras de carinho ou pra perguntar como ele está. Não ia ligar assim à toa. Questionou o relacionamento que tinham. Ela é auto-suficiente, bem resolvida, mora sozinha e tem um cachorro que a faz companhia. O que deixa nele uma profunda sensação de ser só mais uma coisa pra ocupar o tempo dela. Nada de especial. Como um brinquedo ou uma forma de distração da vida corrida. Resolveu tomar uma xícara de café pra ver se acostumava com o gosto. Ela só toma café e estava cansado de vê-la tomando xícaras ao acordar enquanto ele se mantinha no leite com achocolatado. Procurou nos armários e encontrou um vidro de café instantâneo que ela comprara pra deixar na casa dele pra quando fosse dormir por la. No rótulo estava escrito Extra Forte, o que não o animou muito. Mas estava decidido, seria café quente numa manhã quente, mesmo ele não entendendo a lógica disso. Com o café já pronto nas mãos, caminhou até a sala e no instante em que tentou dar o primeiro gole reparou que a luz da secretária eletrônica piscava. Apertou o botão para escutar o recado e surpreendeu-se ao ouvir a voz dela saindo do aparelho. Sentado no sofá com a xícara de café na mão, ele escutava pela secretária eletrônica o recado que ela havia deixado na noite anterior. Se disse preocupada porque fazia uma noite quente e queria saber como ele estava lidando com todo calor. Sabia como noites quentes o incomodavam. Às vezes esses ataques de proteção surgiam e se alteravam com um profundo descaso da parte dela que era capaz de ficar dias inteiros sem ligar e depois dizia que essas inconstâncias emocionais eram a maior prova de amor que ela podia dar. Ele não se mexeu. Permaneceu no sofá, fazendo careta ao tentar tomar seu café e ouvindo a voz dela, abafada pelo barulho de trânsito, dizendo que estava preocupada. Aquilo lhe deixara confuso. Tinha calculado a noite inteira enquanto rolava na cama sem dormir em função do calor, o momento ideal para deixá-la. Estava cansado com a inconstância, a independência e a personalidade forte dela. Tudo isso o deixava inseguro demais. Não dava pra acordar com uma mulher que bebe café instantâneo Extra Forte pela manhã enquanto ele bebe leite com achocolatado. Essa insegurança faz o amor acabar. Inevitavelmente. Mesmo que pra ela insegurança não fosse um motivo plausível, pra ele era motivo suficiente. Tentou programar o que dizer. Pensou na forma com que o cabelo dela cai sobre o olho escondendo metade do rosto como se assim protegesse dele metade dela. E em como ela gosta de dormir com cobertores diferentes para que nem um deles destape o outro durante a noite. E como gosta de passar a xícara de café perto do nariz antes de bebe-lo pra poder sentir seu aroma. E lembrou de cada pequeno detalhe que a fazia especial pra ele. E percebeu que estas pequenas coisas, as pequenas manias dela estavam tão impregnadas nele que ele precisaria de um tempo longe, um tempo sozinho pra poder se livrar do vicio. Fazer uma desintoxicação. Para isso era preciso primeiro conseguir deixá-la. Ele não a entendia direito. Enquanto pessoas normais viram a cara para possíveis tentações, ou para alguma coisa que esteja do outro lado da rua, ela não, ela é do tipo de mulher que atravessa no meio dos carros pra ver o que tem do outro lado. Neste instante começou a cair uma chuva dessas de verão, que sempre caem depois do calor. A mensagem na secretária repetia pela terceira vez, ele permanecia no sofá e a xícara de café permanecia cheia. Sentiu o cheiro do café e viu que enquanto vivesse lembraria dela ao sentir aquele aroma. Levantou num pulo, desligou a secretária e pegou o telefone num desses momentos em que as coisas fazem sentindo. Largou a xícara de café, ligou pra ela e disse que estava indo vê-la. Antes de sair, tomou um copo de leite com achocolatado bem gelado e saiu, pensando que se um dia ela quisesse ver o que tivesse além, o que tivesse depois dos carros, que fosse ele esperando por ela do outro lado da rua.

2 comentários:

Unknown disse...

gente ok vc estava falando de alguem nesse texto??so pode!!!ahahahahahahhahhah ate o extra forte vc adivinhou!uhuh

Lilla Mattos disse...

Não estava falando exatamente de alguém..... mas teve uma certa história que me inspirou pra escrever esse texto... hahahahaha...