terça-feira, 18 de maio de 2010

Um conto [podre] sem pretensão...

- Droga! Acabou a água! Falou Álvaro puto, quando acordou mais cedo que o esperado, por conta de uma ressaca, e descobriu que tinha acabado a água do chuveiro.

Já fazia alguns dias que o ar condicionado estava quebrado, e pra piorar aquela sensação infernal, a água do prédio tinha secado sem nenhum aviso prévio. Provavelmente algum tipo de limpeza que estava sendo feita nas caixas e a síndica, mais uma vez, esquecera-se de avisá-lo sobre o evento.

Álvaro era sempre o único condômino a não ser informado dessas coisas.

Isso porque ele não fazia questão de manter nenhum tipo de vínculo social com seus vizinhos. Acha a síndica uma velha de bosta, e o resto da vizinhança um punhado de desocupados. Assume o canalha que é em troca da liberdade de não precisar perder tempo e paciência com conversas vazias pelos corredores.

- Merda de apartamento quente! Bufou.

Da janela via-se que fazia dia de sol, o corpo de Álvaro estava suado e o chuveiro ainda sem nenhuma gota d’água. Descalço, sentiu o chão gelado. Suas têmporas ferviam e o estômago já estava gritando de fome. Na geladeira, apenas uma garrafa de Coca-cola e uma de Sakê. Serviu-se com uma dose da bebida oriental e deixou que seu corpo relaxasse enquanto se sentava. Em cima da mesa um bilhete lembrando-o de responder a mensagem que Ana tinha deixado na secretária eletrônica na noite passada.

“A vizinha me ligou dizendo que não escuta barulho no seu apartamento há dois dias. Porra Álvaro! Levanta dessa cama, cura essa ressaca e dê algum sinal de vida.”

Gostava de Ana, não por causa de seu corpo suculento ou seus longos cabelos castanhos, mas porque Ana era um clichê interessante de se ver. Tinha cinco tatuagens, fumava cigarro de filtro vermelho e tinha um piercing no nariz. Gostava de escrever, mas era péssima nisso. Até usava bem as palavras, desde que não as colocasse no papel.

Na última noite em que se viram, depois que Álvaro já tinha enchido a cara, Ana pediu a ele um palpite sobre um texto que escreveu.

- Achei péssimo, respondeu sem olhar pra ela. Não sei por que insiste em publicar essas merdas que você escreve!

- Já imaginava que um porco como você, Álvaro, não conseguiria entender a minha forma de escrever. Disse levantando inconformada da cama. E como que tentando o provocar, desfilou até o banheiro, exibindo a silhueta embaixo da camisa branca de botão dele que ela usava pra dormir.

- Traje muito sensual para exibir prum porco como eu, retrucou virando-se na cama. Acabou cochilando e quando acordou encontrou um bilhete em cima do travesseiro. “A garrafa de Sakê que está na geladeira é um presente que comprei pro aniversário de uma amiga. Não encoste seus dedos nela.”

- Se não é pra eu encostar meus dedos, por que largou essa porra na minha geladeira? E de raiva mamou a garrafa reclamando que poderia pelo menos ser uma de uísque.

Ana nunca mais perguntou do Sakê, na verdade, não se falaram depois disso. Mas Álvaro comprou uma garrafa nova pra repor a que ele tinha bebido. E sempre que ficava sem dinheiro para “abastecer o tanque”, só sobrava a tal garrafa para lhe entorpecer. Já haviam sido compradas 7 para substituir a que Ana tinha deixado por lá. E serão 8, assim que terminar a que está bebendo agora, enquanto fita o rótulo japonês da garrafa que repousa em cima da mesa, perto do bilhete lembrando-o de Ana.

- Sakê, uma clássica preferência feminina, que clichê... Pensou. Mais um pra coleção de clichês de Ana. Clichês que foram usados tantas vezes que até já caíram em desuso. E por isso parecem, agora, serem de posse exclusiva dela.

Ana chegava e invadia aquele espaço, aquele apartamento que era dele, aquela bolha que era dele. Fazia perguntas sobre as quais ele mentia a resposta sem nem saber direito o porquê. O sexo não era extraordinário, mas ela era uma ótima parceira de fodas e de porres. Ele mentia sobre isso também. Aprendeu que certas respostas poderiam influenciar no resultado das noites que passava com ela.

Às vezes tinha vontade de se livrar de Ana. Mas sempre perdia a hora certa de manda-la embora dali.

- Alô.. hum.. Ana?! To precisando de espaço na geladeira, vem buscar a garrafa de sakê que ta aqui, senão vou ter que me desfazer dela. Mentiu

- Olha quem ressuscitou! Tudo bem Álvaro, passo aí as 21:00h.

- Ana, desculpa o que falei sobre seu texto naquele outro dia. Mentiu mais um pouco, tentando garantir sua bonificação. Eu já estava bêbado demais pra raciocinar...

- Tudo bem, já esqueci! Te vejo as 21:00. E desligou.

Álvaro desligou em seguida, pensando que já que tinha que ficar suado, melhor que fosse com Ana de volta em sua cama. Suada de foder sem ar condicionado.

sexta-feira, 14 de maio de 2010

Cala a boca e me deixa!

Cala boca e me deixa quieta! Me larga com meu mau humor, com essa gripe fodida e com os prazos que tenho que cumprir. Me deixa! Que eu fico aqui reclamando com os deuses e resmungando por eles terem amaldiçoado o tempo. Me deixa quieta! Que eu fico aqui suspirando. Porque falar alto tem doído meu peito e cansado meu corpo. Cala boca! Pra ver se assim eu calo também. E escondo sob as minhas dobras todas as minhas linhas tortas. Cala a boca e me deixe! Me deixe deitar do seu lado. Bota a mão por trás do meu pescoço, aperta meu braço e puxa meu cabelo. Me deixe! Me deixe roxos, pra que eu esqueça o peso do meu corpo doente e lembre do peso das suas mãos. Assim, quando a gripe e o cansaço transbordarem, escorrerem de dentro de mim, eu possa rever essas marcas e me lembrar que você esteve por aqui. E que a vida só não é melhor por culpa exclusiva minha, que às vezes piro sem motivo.
Me deixa...

segunda-feira, 3 de maio de 2010

Levitação

Marcava 2 da tarde quando acordei naquele domingo de céu azul e vento frio. Na cozinha, o cheiro de café denunciando que o resto da casa já estava de pé. E lá embaixo a cidade que não da trégua. Um cenário comum e rotineiro. A tirar o céu azul e o vento frio, todo o resto era uma repetição fiel de grande parte dos domingos que já haviam se passado. O quarto estava mergulhado em uma sombra fraca fornecida pelas cortinas de linho, que permitiam que jatos de luz penetrassem pelas laterais e iluminassem exatamente o lugar do meu travesseiro. Me custou ainda alguns minutos até que conseguisse recolher um pouco de coragem e levantar. Vencida pela claridade, já de pé, joguei a falta de jeito no chão, alonguei de leve algumas partes do meu corpo e aproveitei pra chegar o rosto na janela. Atrás do blecaute da cortina - que já não tinha mais utilidade alguma – fazia uma tarde linda. Linda e fria.

Depois de cobrir os pés com um par de meias, tentei me imaginar aquecida. Recriei na memória as imagens da noite anterior e a felicidade espontânea e sadia trazida pelas risadas com as amigas. Uma delas é amiga recente, a outra dos tempos de criança. Dos tempos em que brincávamos de pique e assistíamos filmes de terror com a boca cheia de pipoca e com as pernas enroladas no edredom, pra afastar o frio e o medo. Época boa! – pensei. Mas a passagem dos anos também tem suas vantagens. Alguns ficam mais belos, outros mais sábios. Uns amadurecem, outros parecem ficar mais jovens com a idade que chega. E aos poucos todos nós formamos família, não só de sangue. Mas de pessoas que nos querem bem, que nos acompanham e que são memórias vivas da nossa história.

No meu caso, pessoas que vasculham minha vida, meus livros, minhas músicas, minhas comunidades do Orkut e dizem que não tem nada de bom por lá. E não há, mas eu gosto. E se eu gosto elas aceitam. “Deve prestar”. Pessoas com lembranças em comum para piadas que ninguém mais entende e que apesar de serem as que mais apontam, são também as que mais toleram meu jeito estabanado de criança que cresceu muito rápido e não coube mais no próprio corpo.

A tarde de domingo estava linda de enjoar atrás do blecaute da cortina. Dentro de casa, o vento frio cheirava a café fresco. Recolhi minha falta de jeito jogada no chão, consertei a postura e fui pra cozinha encontrar a família. Pensando que tanta felicidade assim realmente não cabe dentro de mim. E que só preciso disso. Disso e de um carinho na nuca.
E ai, talvez, eu saia levitando.
Pelo céu azul
Levada pelo vento frio
De uma tarde de domingo.


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Para todas as amigas que fazem da minha vida algo mais leve.